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Entrevista de Carlos da Silva Costa ao Jornal de Negócios

Por Banco de Portugal16.10.2019 13:42
 

Quais são as expectativas de crescimento para a economia portuguesa?

Um crescimento de 2% para este ano e uma ligeira desaceleração no próximo, com riscos que resultam da envolvente externa. A perspetiva de crescimento está muito dependente da União Europeia, da guerra comercial entre os EUA e a China e das medidas aduaneiras já anunciadas pelos EUA, do impacto de uma qualquer saída em matéria de Brexit. Está também dependente de fatores geopolíticos e, por último, da política económica, nomeadamente da política orçamental dos países europeus que têm margem de manobra.

Qual o impacto para Portugal da possível recessão técnica da Alemanha?

A Alemanha tem uma grande importância porque é a economia com maior peso na União Europeia. E, no nosso caso, é um grande cliente das empresas portuguesas. Tem também importância porque é um país que tem margem de manobra, em termos orçamentais, para desencadear medidas que compensem o impacto da redução da procura internacional, através do lançamento de programas de despesa pública, nomeadamente de investimento.

O presidente do BCE apelou à utilização da política orçamental. A política monetária está esgotada?

Não. A política monetária fez o que tinha a fazer. Primeiro, forneceu as condições de estabilidade que eram necessárias para o sistema financeiro europeu e a liquidez de que o sistema bancário necessitava. Segundo, forneceu liquidez à economia e evitou, por essa via, uma deflação. E terceiro, deu liquidez e baixo custo às economias da Zona Euro. Todavia, o que se verifica é que a procura agregada não está a responder já de forma satisfatória. Quando nós, Conselho de Governadores e Mario Draghi, apelamos a que a política orçamental complemente a monetária, estamos a dizer que a política monetária acomodatícia é necessária, mas já não chega.

Que tipo de política orçamental pode Portugal ter?

A nossa política orçamental está muito dependente dos níveis de endividamento público. Temos não só que satisfazer as regras orçamentais da União Europeia, mas sobretudo continuar a ser credíveis do ponto de vista dos mercados, o que significa que é possível que haja alguma capacidade para acomodar os impactos de uma crise económica através do funcionamento dos estabilizadores [automáticos], mas não temos margem para uma política orçamental tão ativa como, por exemplo, a Alemanha.

Numa crise, Portugal pode deixar funcionar os estabilizadores automáticos e registar um défice orçamental?

Tem margem para o fazer, mas tem de ser credível quanto à trajetória futura da dívida em termos de rácio do PIB. Se essa margem for usada de forma que comprometa a sustentabilidade – isto é, não um uso temporário, mas permanente –, se não houver um crescimento do PIB equivalente, gera-se uma preocupação compreensível dos mercados.

Que imagem atribuiria à economia neste momento?

É uma economia que soube estabilizar os quatro motores que determinam a sua trajetória. Uma vez utilizei a imagem de um avião, com quatro motores. Um motor é o consumo, outro é o investimento privado, outro é a despesa pública e outro são as exportações. Houve um momento em que o equilíbrio destes quatro motores não foi assegurado e, por isso, tivemos um desequilíbrio externo, orçamental e um aumento do endividamento. Hoje o que está a puxar a economia, ou puxou a economia, são as exportações. Todavia, temos de estar muito atentos à evolução destes quatro motores.

Para esse equilíbrio, houve um compromisso excessivo do investimento?

Fizemos o que tínhamos a fazer para repor uma trajetória que inspira confiança nos mercados e que assegura a sustentabilidade. Daqui para a frente temos de demonstrar que a trajetória é sustentável. A política orçamental tem de continuar a responder a dois tipos de pressões: um resultante das necessidades de crescimento e do fornecimento de bens públicos e investimento; e outro da necessidade de garantir que a resposta não desencadeia um crescimento da despesa que gera novos défices e um endividamento percebido como insustentável.

Ainda não foi demonstrado?

Os mercados têm uma perceção muito positiva e a prova disso é a evolução que houve das "yields" da dívida pública. Os preços a que nos financiamos são uma demonstração de credibilidade. Simplesmente a credibilidade e aperceção dos mercados têm de ser confirmadas sistematicamente pela continuação da política. Quando se está com um nível elevado de endividamento, tem de se ter sempre muito cuidado para não frustrar as expectativas dos mercados.

Qual é o peso que atribui à política monetária na recuperação de Portugal? Recuperámos porquê?

Porque houve, primeiro, uma conjuntura externa [positiva], segundo uma política monetária favorável, e terceiro uma política económica interna adequada. Os dois primeiros fatores não garantiam o resultado. Eram condições propícias, mas só produziriam resultado se as políticas internas fossem as adequadas para tirar proveito dessas circunstâncias. Há um quarto fator extremamente importante que foi a resposta das empresas exportadoras. A qualidade das políticas significa a credibilidade e sustentabilidade da política orçamental em primeiro lugar, mas também das políticas económicas e as respostas dos agentes.

Como olha para o contributo do turismo na economia portuguesa?

Há uma transformação estrutural. Tínhamos um turismo sazonal e balnear (com exceção da Madeira, onde havia ao longo do ano). Mantemos esse turismo e passámos a ter também turismo urbano, que vem por períodos de mais curta duração e procura essencialmente beneficiar da vida urbana portuguesa. Este turismo é de uma natureza completamente diferente e também de um segmento de mercado que gera maior valor.

Mas ainda há um desequilíbrio grande entre litoral e interior. Isso coloca desafios, nomeadamente o esgotamento de serviços.

Essa é a questão que se vai colocar. Temos de pensar que a nossa resposta ao turista não deve ser apenas fornecer-lhe dormida e um restaurante, temos de preencher o tempo e oferecer-lhe uma experiência que o entusiasme.

Estamos a saber fazê-lo?

Os fluxos estão consistentemente a crescer, o fator novidade e o de atração estão a funcionar. É preciso consolidar estes fluxos e criar a ideia de que ir ao Porto, à Covilhã ou a Lisboa é uma experiência que se deve repetir, tal como noutras cidades europeias. Temos de ser nós, que estamos do lado da oferta, a justificar a razão por que têm de vir. Um produto turístico reinventado gera valor acrescentado e capacidade para pagar salários e gerar emprego.

É possível ter uma economia que paga bons salários sustentada no turismo?

Se a restante economia for boa. No dia em que tiver uma economia nos transacionáveis que gera um bom valor acrescentado e que paga bons salários, o setor turístico vai ter de acompanhar. Quando vai a Roma, paga os salários dos romanos que estão alinhados pela média dos salários locais. Quando vai a Paris, paga a média dos salários parisienses. É evidente que para isso também tem de ter uma proposta de valor que justifique o pagamento.

O Banco de Portugal tem sublinhado a importância da imigração em Portugal e dos benefícios económicos para contrapor tendências como o envelhecimento.

Temos uma situação desfavorável porque temos uma taxa de natalidade baixa e uma população que está progressivamente mais envelhecida. O que significa que em termos de população ativa – de origem portuguesa – a tendência é no sentido da redução. Se quisermos aumentar o produto temos de fazer apelo a trabalhadores que hão de vir do exterior e que têm de ter as aptidões necessárias para se integrar no tecido produtivo, e um substrato cultural que facilite a integração.

Quando diz "fazer apelo" fala, por exemplo, em criar incentivos fiscais?

A questão é basicamente uma: criar um ambiente que leve a que os trabalhadores com as qualificações procuradas considerem que o destino Portugal é interessante. Os empresários do setor exportador queixam-se de uma escassez de trabalhadores qualificados, aliás, queixam-se mesmo de uma escassez de trabalhadores. Para essas empresas é fundamental que haja um fluxo de entrada de trabalhadores qualificados. Do ponto de vista social, estes trabalhadores vêm permitir um aumento do produto e uma sustentação do nosso modelo social. Ganhamos todos: eles que vêm à procura de trabalho e a economia portuguesa que vê o seu potencial de crescimento aumentado

Como criar o tal ambiente favorável sem gerar, do ponto de vista fiscal, uma injustiça para os nacionais?

A questão fiscal não é necessariamente mais determinante. São muito mais questões relacionadas com o contexto cultural, o cosmopolitismo, a natureza da empresa. O essencial é o nível de remuneração que somos capazes de pagar, o nível de satisfação que retiram. Não estamos a falar de cidadãos estrangeiros pouco qualificados, são muito qualificados. No plano europeu temos um processo de migrações cruzadas: engenheiros, enfermeiros ou médicos a emigrar e ao mesmo tempo trabalhadores qualificados vindos de outras origens a entrar. Temos de saber gerir muito bem este equilíbrio porque o saldo tem de ser positivo, sob pena de termos uma perda de investimento em educação, ao transferir para o exterior trabalhadores mais qualificados e receber em troca trabalhadores menos qualificados. Quando recebemos um trabalhador com um nível superior de educação, beneficiamos de um investimento de uma sociedade nesse trabalhador.

Mas devia haver campanhas direcionadas para esses trabalhadores?

Essa é uma questão que deve ser gerida ao nível setorial e das empresas. Tem de haver um entendimento entre a política pública e os empregadores. O exercício só é interessante se gerar emprego, crescimento do produto e benefício para a economia nacional. O contributo dos trabalhadores estrangeiros para a economia nacional é positivo e perceções erradas não podem afetar de maneira nenhuma nem a forma como os acolhemos nem o modo como eles contribuem para a economia portuguesa.

Como lê os resultados eleitorais?

Uma das grandes inovações institucionais em Portugal é que pela primeira vez a sustentabilidade das finanças públicas passou a ser um valor partilhado por todo o espectro político. E isso é um elemento extremamente importante que é próprio de sociedades como a holandesa, a sueca ou a alemã. Ter uma sociedade que está atenta aos desequilíbrios que podem ser fatores de insustentabilidade, de uma lógica de pára-arranca, é extremamente positivo. Se estamos de acordo quanto à dimensão desta sala, e que não devemos deitar os muros abaixo, se organizamos os móveis mais à esquerda ou mais à direita, essa não é a parte importante para um economista e para o Governador do Banco de Portugal. A sociedade portuguesa percebeu que não há a possibilidade de ignorar as restrições que resultam da economia, dos mercados financeiros e que é preciso responder a essas restrições com comportamentos credíveis e com uma afetação dos recursos que garanta o crescimento do produto potencial. A solução para todos os problemas portugueses chama-se crescimento económico. A chave dos nossos problemas está no crescimento de o produto potencial ter vindo a desacelerar. Mais do que isso, termos perdido capacidade de convergência para a média europeia. A média dá-nos uma referência de qual foi o movimento do pelotão e de como nos posicionamos. Perdemos contacto progressivo com o pelotão da frente.

Houve uma recuperação nos últimos anos, certo?

Certo. Mas também porque há fatores temporários. Nem a perda que se registou em determinado momento era de longo prazo, nem a recuperação é independente da perda que se registou. Há aqui um fenómeno de reequilíbrio. É por isso que nessas matérias não interessa olhar para o valor do ano, mas sim para a média ao longo de um período porque isso é que nos dá a tendência. A flutuação em torno da tendência não elimina a tendência. E a tendência é uma espécie de força de gravidade que nos agarra, ou no sentido ascendente ou descendente.

Não admite que esta recuperação possa ser a inversão de tendência?

Espero muito bem que sim. Mas para isso é preciso que se confirmem três coisas: mais investimento, que está a acontecer, mais capital por trabalhador, melhor nível de educação; e maior intensidade de gestão, que está dependente da organização e dimensão das unidades produtivas.

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